Os sistemas administrativos no Direito Comparado no ponto de vista do professor Diogo Freitas do Amaral


1.Introdução

 A ideia de uma Administração Pública subordinada a um ramo especial de Direito que lhe atribui poderes de autoridade e lhe estabelece deveres especiais não é, ou nem sempre foi comum a todos os
ordenamentos jurídicos. A estruturação da Administração varia e evolui consoante o tempo e o espaço.

2.Comparação entre os principais sistemas administrativos

2.1.Sistema Administrativo Tradicional

 Neste sistema, o monarca era o supremo administrador e juiz, não existindo a ideia de qualquer tipo de separação de poderes, pelo que os principais poderes e funções se confundiam numa só entidade, o rei.

 Não existia uma subordinação rigorosa da Administração à Lei, pelo que não era possível fiscalizar o poder soberano. Do mesmo modo, os particulares não beneficiavam de qualquer ferramenta de proteção face à Administração, pelo que não se podiam queixar de qualquer ofensa que esta cometesse em relação aos seus direitos ou interesses legítimos, ao contrário do que acontece atualmente em quase todos, se não todos os Estados de Direito Democráticos. Consequentemente, podemos afirmar que no Sistema Administrativo Tradicional não existia ainda a ideia de Estado de Direito, conceito que surgiria apenas após a proclamação da DDHC e do seu art 16.º.

2.2.Sistema Administrativo Britânico ou Administração judiciária 

Aspetos fundamentais:

®    Lenta formação ao longo dos séculos;

®    Papel destacado do costume como fonte de direito e do Direito Consuetudinário em geral;

®    Vinculação à regra do precedente (papel crucial da jurisprudência neste sistema administrativo);

®   Grande independência dos juízes face ao poder administrativo, o que resulta num forte prestígio do poder judicial;

Características:

  Separação de poderes: o rei foi impedido de resolver questões de natureza contenciosa e foi proibido de dar ordens aos juízes.

®    Estado de Direito: culminando uma longa tradição iniciada na Magna Carta, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos britânicos foram consagrados na Bill of Rights, o rei ficou claramente subordinado ao Direito, traduzindo-se isto na ideia de rule of law;

®   Descentralização: As autarquias locais gozavam tradicionalmente de ampla autonomia face a uma intervenção central diminuta e sempre foram encaradas como entidades próprias, como verdadeiros governos locais;

®   Sujeição da Administração aos Tribunais Comuns: a administração Pública acha-se submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns. Os poderes públicos não são isentos: nenhuma autoridade pode invocar privilégios ou imunidades visto haver uma só medida de direitos para todos, uma só lei para funcionários e não funcionários, um só sistema para o Estado e para os particulares.

®    Subordinação da Administração Pública ao Direito Comum: em consequência do rule of law, tanto o rei como os seus conselheiros e funcionários se regem pelo mesmo direito que os cidadãos anónimos. Todos os órgãos e agentes da Administração Pública estão, pois, em princípio, submetidos ao direito comum, o que significa que por via da regra não dispõem de privilégios ou de prerrogativas de autoridade púbica.

®    Execução Judicial das decisões administrativas: no sistema administrativo britânico a Administração não pode executar as suas decisões por autoridade própria (não existe autotutela declarativa e executiva). Se um órgão da Administração toma uma decisão desfavorável a um particular e atua voluntariamente, esse órgão não poderá, por si só, empregar meios coativos para impor o respeito e cumprimento da sua decisão pelos particulares: terá de recorrer a um tribunal para obter deste uma sentença que torne imperativa aquela decisão.

®   Garantias Jurídicas dos Particulares: os particulares dispõem de um sistema de garantias contra as ilegalidade e abusos da Administração Pública. Os tribunais públicos gozam de plena jurisdição face à Administração Pública.

O sistema administrativo de tipo britânico é também chamado de sistema de administração judiciária devido à preponderância dos tribunais. Este sistema vigora nos EUA (com algumas particularidades) e nos países da América Latina, como o Brasil. 

2.3.Sistema Administrativo Francês ou Administração executiva

Aspetos fundamentais:

®     Escassa relevância do costume;

®     Sujeição a reformas globais impostas pelo legislador em dados momentos;

®     Papel primordial da lei como fonte de direito;

®     Distinção básica entre direito privado e direito público;

®     Função de importância muito variável dos tribunais na aplicação do Direito legislado;

®     Maior influência da doutrina jurídica do que da jurisprudência;

®     Maior prestígio do poder executivo do que do poder judicial.

Características:

®   Separação de Poderes: proclamada com a revolução francesa. A administração ficou separada da Justiça, poder executivo para um lado, poder judicial para outro;

®    Estado de Direito: na sequência das ideias de Locke e de Montesquieu; a DDHC, no seu art.16º exige um sistema de garantia dos direitos.

®   Centralização: para impor as ideias liberais francesas torna-se indispensável construir um aparelho administrativo eficaz, eficácia essa que aos olhos da Administração se traduz numa separação rígida entre o poder administrativo e judicial. 

     Subordinação da Administração ao Direito Administrativo: a força, a eficácia e a capacidade de intervenção da Administração Pública que se pretendia obter, fazendo desta uma espécie de exército civil com espirito de disciplina militar, levou o Conselho de Estado a considerar que os órgãos e agentes administrativos não estão na mesma posição que os particulares; exercem funções de interesse público e utilidade geral e devem por isso dispor quer de poderes de autoridade, que lhe permitam impor as suas decisões aos particulares, quer de privilégios e imunidades próprias. Sendo o objetivo da Administração o de prosseguir o interesse público, satisfazendo as necessidades coletivas, há-de poder sobrepor-se aos interesses particulares que se oponham à realização do interesse geral, e para isso carece de especiais poderes de autoridade, sendo certo, por outro lado, que a sujeição ao interesse público também submete a Administração a especiais deveres e restrições que não vigoram em relação aos particulares.

®    O Privilégio da Execução Prévia: o Direito Administrativo francês confere ao executivo um conjunto de poderes sobre os cidadãos, alheios aos poderes reconhecidos pelo Direito civil aos particulares nas suas relações entre si. O privilégio de execução prévia permite à Administração executar as suas decisões por autoridade própria. Quando um órgão da Administração toma uma decisão desfavorável a um particular e, se ele não a acata voluntariamente, esse órgão pode por si só empregar meios coativos, inclusive a polícia, para impor o respeito pela sua decisão, e pode fazê-lo sem ter de recorrer a um tribunal.  

      Garantias Jurídicas dos Particulares: o Sistema Administrativo francês oferece aos particulares um conjunto de garantias jurídicas contra os abusos e ilegalidades da Administração Pública. Mas essas garantias são efetivadas através dos tribunais administrativos e não por intermédio dos tribunais comuns. Por outro lado, nem mesmo os tribunais administrativos gozam de plena jurisdição face à administração: na maioria dos casos, estando em causa uma decisão unilateral tomada no exercício de poderes de autoridade, o tribunal administrativo só pode anular o ato praticado se ele for declarado ilegal, não podendo declarar as consequências dessa anulação, nem proibir a Administração de proceder de determinada maneira, nem condená-la a tomar certa decisão ou adotar certo comportamento. As garantias jurídicas dos particulares face à Administração são manifestamente  menores do que no sistema britânico.

 Este sistema nasceu em França e vigora hoje em quase todos os países continentais da Europa Ocidental e em muitos dos novos estados que alcançaram a independência no séc. XX depois de terem sido colónias desses países europeus.

3.Confronto entre os dois sistemas modernos

 Ambos os sistemas consagram a separação de poderes e o Estado de Direito. Mas têm traços que os distinguem claramente:

®     Quanto à organização administrativa, um é descentralizado (sistema britânico) e o outro é centralizado (sistema francês).

  Quanto ao controlo jurisdicional da Administração, o primeiro entrega-os aos tribunais comuns, o segundo a tribunais administrativos. Em Inglaterra há, portanto, uma unidade de jurisdição enquanto que em França existe uma dualidade de jurisdições (tribunais comuns vs tribunais administrativos).

c)    Quanto ao direito regulador da Administração, no sistema de tipo britânico é o direito comum, que basicamente é direito privado, mas no sistema de tipo francês é o direito administrativo, que é direito público. 

       Quanto à execução das decisões administrativas, o sistema de administração judiciária fá-la depender de sentença do tribunal, ao passo que o sistema de administração executiva atribui autoridade própria a essas decisões e dispensa a intervenção prévia de qualquer tribunal.

      Finalmente, quanto às garantias jurídicas dos particulares, a Inglaterra confere aos tribunais comuns amplos poderes de injunção face à Administração, que lhes fica subordinada como a generalidade dos cidadãos, enquanto a França só permite aos tribunais administrativos que anulem as decisões ilegais das autoridades ou as condenem ao pagamento de indemnizações, ficando a Administração independente do poder judicial.

4.Aproximação contemporânea dos dois sistemas

 Embora continuem a existir claras diferenças entre os principais sistemas administrativos modernos, a verdade é que essas diferenças têm vindo a ser cada vez mais atenuadas devido a uma aproximação dos sistemas, que decorre inevitavelmente do fenómeno da globalização ao qual o Direito Administrativo não é exceção, sendo hoje possível falar de um "Direito Administrativo sem fronteiras".

 Para o professor Freitas do Amaral, o princípio fundamental que inspira cada um dos dois sistemas mencionados é diverso, pelo que muitas das soluções que vigoram num e noutro lado são diferentes e a técnica jurídica utilizada por um e por outro não é a mesma. Mas houve, de facto, uma significativa aproximação entre eles, nomeadamente, na organização administrativa, no direito regulador da Administração, no regime de execução das decisões administrativas e no elenco de garantias jurídicas dos particulares. Onde, apesar de tudo, as diferenças se mantêm mais nítidas e constantes é nos tribunais a cuja fiscalização é submetida a Administração Pública – na Inglaterra estes são os tribunais comuns e em França os tribunais administrativos. Como foi referido anteriormente, podemos afirmar que no Sistema Adminsitrativo Britânico existe unidade na jurisdição e no seu opositor, o Sistema Administrativo Francês, existe uma dualidade de jurisdições. Para o professor, a grande diferença entre o sistema britânico e o sistema francês reside no tipo de controlo jurisdicional da Administração, ou seja, a grande diferença entre os dois sistemas está na subordinação dos litígios suscitados entre a Administração Pública e os particulares aos courts of law, representantes exclusivos de um poder judicial unitário, ou aos tribunaux administratifs, órgãos de uma jurisdição especial distinta da dos tribunais comuns. Aliás, o facto de os dois países terem pertencido durante muito tempo à EU não deixou de contribuir para reforçar mais ainda a linha de aproximação que veio sendo seguida por ambos. O mesmo sucederá com Portugal e com os demais membros da EU. O espaço jurídico europeu continua a desenvolver-se e terá óbvios reflexos no Direito Administrativo dos países membros.

Bibliografia:

DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina

Trabalho Realizado:

Vasco Silva, subturma 11, aluno nº64656


Comentários

Mensagens populares deste blogue

O sistema administrativo alemão enquanto um sistema de administração executiva e judiciária

A desconcentração administrativa e o princípio da desburocratização e eficiência.