Sistema Administrativo do tipo britânico ou administração judiciária
Sistema Administrativo do tipo britânico ou administração judiciária
Conhecem-se os aspetos fundamentais do direito inglês em geral: lenta formação ao longo dos séculos; papel destacado do costume como fonte de direito; distinção entre common law e equity; função primacial dos tribunais na definição do direito vigente (remedies precede rights); vinculação à regra do precedente; grande independência dos juízes e forte prestígio do poder judicial.
Desde Albert Dicey, a cultura jurídica inglesa recusa a ideia de privilégio que pode perpassar a criação de um ramo de Direito e de uma jurisdição próprios para regular as relações entre os particulares e os poderes públicos. E, assim, nasceu a resistência do Direito Administrativo e a recusa em abandonar a “common law”, mesmo quanto às relações entre a coroa britânica e os particulares.
Por isso, não seria estranho, em caso de dissídio entre a administração pública e os particulares, a ordem jurídica inglesa optar por transferir aos tribunais, que têm uma grande independência, a tarefa de dirimir o litígio. A Administração Pública não pode impor a sua visão à do particular e, em especial, não pode executar decisões governamentais sem que o particular as aceita ou a elas adira. E é exatamente por isso que o modelo inglês de governação tem sido sempre qualificado como um modelo de administração judiciária.
Algumas das características do sistema administrativo inglês são:
- Descentralização: em Inglaterra praticou-se cedo a distinção entre administração central e administração local. A Administração não está centralizada e não concentra em si todos os poderes, pelo que existem dois órgãos que dispõem do poder: a administração central (central government) e a administração local (local government). Não existe o conceito de Estado como pessoa coletiva, uma vez que a Administração Pública não dispõe de poderes diferentes dos poderes atribuídos aos particulares.
É através do “local government” que as populações locais se auto-organizam para resolver questões de âmbito territorialmente circunscrito. O governo nacional fica, assim, limitado pela influência dos poderes locais – aos quais acresce o sistema eleitoral assente em círculos uninominais (que reforça a ligação entre os parlamentares e o eleitorado local), mas também beneficia da eficiência decorrente da boa implementação do princípio da subsidiariedade.
- Sujeição da administração aos tribunais comuns: trata-se da unidade de jurisdição. De facto, os tribunais comuns, também denominados de “courts of law”, julgam tanto os litígios referentes à Administração Pública como os litígios entre aqueles que não são funcionários desta, ou seja, os particulares. Assim, a Administração Pública está sujeita à aplicação da lei por parte de tribunais judiciais comuns e não de tribunais administrativos (uma vez que estes últimos não existem neste sistema). A lei é igual para todos os cidadãos e não pode nenhuma autoridade invocar privilégios e imunidades. Temos, assim, uma jurisdição única, uma vez que não existem tribunais encarregados de julgar especialmente a Administração. As questões administrativas são julgadas pelos tribunais comuns, pelo que não havia diferenciação de matérias.
Isto não significa, porém, que não tenham sido criados tribunais especializados em matéria jurídico-administrativa. Progressivamente (e também por influência da aproximação europeia), o sistema inglês avançou para a criação de “administrative tribunals”. Ainda assim, estes tribunais continuam a aplicar o “common law”, ainda que temperado por inúmera legislação especial e de influência europeia (pelo menos até à saída do Reino Unido da UE), e não integram uma jurisdição autónoma da jurisdição comum.
- Reforço do controlo jurisdicional: outra influência do modelo inglês decorre da ideia de “fair trial rights”, que impõe a garantia do princípio de igualdade de armas (entre a Administração Pública e os particulares).
O princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo. Está consagrado nos arts. 13º e 20º da CRP e consiste, então, em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, assim, idênticas probabilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Portanto, respeitando tal princípio, a posição de ambas as partes deve ser equivalente sob o ponto de visto formal, ou seja, perante ele tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor.
- Subordinação da Administração ao direito comum: todas as pessoas se regem pelo mesmo direito, o chamado “The common law of the land”, tanto o Rei como os funcionários, os conselheiros e os cidadãos anónimos. Não existe um Direito Administrativo, mas sim o Direito comum aplicado pelos Tribunais comuns.
Consequentemente, a Administração está subordinada ao “Common law” e, por isso, não dispõe de poderes exorbitantes nem de privilégios de autoridade pública. Apesar disto, mesmo não existindo um Direito Administrativo, existem regras que regulam a Administração e a forma como esta emite as suas decisões, regras estas que formam o chamado “Procedimento Administrativo”.
Afirmara Thomas Fuller: “Você nunca será tão alto, pois a lei está acima de você”. Então, se maltratar um pinguim no zoológico de Londres, você não escapará da acusação porque é o Arcebispo de Cantuária. Se vender a honra por uma recompensa em dinheiro, não lhe ajudará ser o primeiro-ministro. Não há nenhuma lei especial ou tribunal específico para lidar com arcebispos e primeiros-ministros. A mesma lei, ministrada pelas mesmas cortes, aplica-se a eles e a todos os demais cidadãos.
Como vantagens podemos citar a imparcialidade dos juízes, porque como se trata de órgão independente os julgados do Poder Judiciário são imparciais. Com as garantias que lhes são asseguradas, constitucionalmente, os juízes dispõem de condições necessárias para proferirem julgamentos, aplicando a lei ao caso concreto, independentemente se estão em desacordo com a vontade do administrador público. Uma outra vantagem é a inexistência de conflitos de jurisdição, já que a jurisdição é una, há apenas um órgão encarregado de dizer o direito ao caso concreto - todas as matérias são levadas a apreciação do Poder Judiciário.
Bibliografia:
- AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª edição, Almedina, 2021;
- Texto disponibilizado no moodle pelo Professor Miguel Prata Roque
Feito por: Júlia Pavie Paim de Melo – Subturma 11
Nº de aluno: 64394
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