A natureza jurídica das universidades públicas

 1.Introdução

No plano do Direito Administrativo, importa saber onde se enquadram as universidades públicas quanto à sua natureza jurídica. Enquanto que uma parte da doutrina afirma que estas entidades se enquadram na Administração Indireta, outra parte entende que, na verdade, as universidades públicas se enquadram na Administração Autónoma.

Antes de passar à análise e dissecação das várias posições doutrinárias em discordância, importa primeiro caracterizar e tentar perceber no que consistem estas duas modalidades da Administração Pública.

2.Caracterização

2.1.Administração Indireta

Na Administração Indireta são prosseguidos interesses do Estado, mas através de pessoas coletivas públicas distintas deste, pelo que não se confunde esta modalidade de Administração com a Administração Direta, onde é o próprio Estado enquanto pessoa coletiva a prosseguir os seus fins e interesses. 

O Estado transfere para outras pessoas coletivas a tarefa de prosseguir os seus interesses, um exemplo claro do fenómeno de descentralização, que se traduz na distribuição de atribuições do Estado a outras pessoas coletivas públicas, como é o caso dos Institutos Públicos e das Empresas Públicas, ambos possantes de personalidade jurídica própria. 

Nesta modalidade de Administração existe um controlo mais reduzido do Estado sobre a entidade em questão através de poderes de superintendência (consiste no poder de dar orientações genéricas e objetivos finais, mas não instruções, pois essas são vinculativas) ou tutela (conceito doutrinário e jurisprudencial), comparadamente com o que se passa na Administração Direta, onde o Estado exerce um controlo forte e rígido sobre os seus subalternos através dos seus poderes de direção, supervisão, poder sancionatório e poder de disposição de competência. O que nos permite saber se o poder que o Estado exerce sobre uma determinada pessoa coletiva pública é a superintendência ou a tutela é a lei (em sentido material) que cria essa pessoa coletiva pública, pois será ela que define qual o poder em causa. 

2.2.Administração Autónoma

Distintamente do que se passa na Administração Indireta, na Administração Autónoma as pessoas coletivas públicas prosseguem fins maioritariamente próprios e não estão sujeitas aos poderes hierárquicos do Estado, nem ao poder de superintendência que abrange a Administração Indireta. Pelo contrário, as entidades enquadradas na Administração Autónoma apenas estão sujeitas ao poder de tutela do Estado, sendo este o poder mais fraco e menos intenso que o Estado pode exercer sobre uma entidade pública. 

A tutela divide-se em duas modalidades: A tutela de legalidade e a tutela de mérito, mais intrusiva que a anterior pois, como o nome indica, não se baseia apenas na verificação do cumprimento da Lei. 

Quanto à sua intensidade, a tutela pode ser inspetiva (menos intensa e mais comum), substitutiva, modificativa, sancionatória ou integrativa.

A Administração Autónoma divide-se em territorial e não territorial. Na primeira enquadram-se as regiões autónomas e as autarquias locais e na segunda as associações públicas e as corporações territoriais. No caso de considerarmos que as universidades públicas se encaixam na Administração Autónoma, estas possuirão caráter não territorial. 

3.Divergências na Doutrina

Como defensor da posição doutrinária clássica temos o professor Freitas do Amaral, que entende que as universidades públicas se localizam no setor da Administração Indireta, enquadrando-as como institutos públicos, mais especificamente estabelecimentos públicos. Estes estabelecimentos públicos são institutos públicos com caráter social e/ou cultural, que se organizam como serviços abertos ao público e têm como finalidade efetuar prestações à generalidade dos particulares que delas careçam. Este professor considera que é razoável reconduzir a natureza das universidades públicas aos estabelecimentos públicos pois possuem caráter cultural, estão abertas ao público e ligadas ao ensino (prosseguindo um interesse do Estado).

Em oposição ao entendimento do professor Freitas do Amaral, o professor Vasco Pereira da Silva entende que as universidades públicas dizem respeito à Administração Autónoma, pois prosseguem interesses próprios e não do Estado. Esta lógica segue a ideia de que não existe um superior hierárquico que possa conduzir (seja através de ordens ou orientações genéricas) a atividade das universidades públicas, não havendo uma relação hierárquica de qualquer tipo, mas sim uma relação entre quem ensina (docentes) e quem aprende (estudantes). No entanto, este professor entende que a universidade não pode ser considerada uma associação pública, visto que a posição de quem ensina (docente) não é exatamente igual à de quem aprende (aluno), existindo efetivamente uma ligação entre as duas coisas, mas ensinar implica uma posição de uma pessoa que transmite um conhecimento por alguém que o construiu. Também o professor Miguel Prata Roque parece concordar com esta posição, afastando a classificação das universidades públicas enquanto institutos públicos.

4.Conclusão

A questão mais controversa no que toca a este tema é saber se as universidades públicas prosseguem efetivamente interesses do Estado ou próprios. A meu ver, parece-me que há de facto interesses próprios a ser prosseguidos pelas universidades, mas que o interesse predominante é apesar de tudo o ensino, que não deixa de ser um interesse do Estado. No entanto, é muito relevante o facto de não existir nenhuma entidade que possa controlar de forma direta ou indireta a atividade das universidades públicas, limitando-se apenas a existir um poder de tutela sobre as mesmas, pelo que existe certamente um nível considerável de autonomia do qual as universidades gozam, o que me impossibilita de as enquadrar na Administração Indireta. Assim, embora considere que o fim prosseguido pelas universidades é maioritariamente estatal, considero que a posição dos professores Vasco Pereira da Silva e Miguel Prata Roque seja a mais acertada, enquadrando assim as universidades públicas na Administração Autónoma. 

Bibliografia:

Apontamentos das aulas teóricas do Professor Vasco Pereira da Silva

Apontamentos das aulas práticas do Professor Miguel Prata Roque

DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina

Trabalho realizado por: Vasco Silva, subturma 11, nº64656

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